Europeus e sul-americanos têm algo em comum: adoram
futebol. Não é à toa que, pelo menos até agora, todas as Copas do Mundo tenham sido vencidas por seleções da Europa (Itália, Alemanha, Inglaterra, França) ou da América do Sul (Brasil, Argentina, Uruguai). Infelizmente, muitos governos ditatoriais, tanto na Europa quanto na América do Sul, aproveitaram-se da paixão popular por esse esporte tão cativante para fazer
propaganda política.
Na Europa, o futebol foi usado como instrumento de propaganda política tanto em ditaduras de extrema direita (como nos casos da Alemanha nazista de
Hitler e a Itália fascista de
Mussolini, nas décadas de 1930 e de 1940) quanto em ditaduras de extrema esquerda (como nos casos dos países do leste europeu, durante a
Guerra Fria).
Na América do Sul, as vitórias das seleções de futebol do Brasil, em 1970 (quando se tornou o primeiro país tricampeão em Copas do Mundo), e da Argentina, em 1978, foram exploradas pela
propaganda dos seus respectivos regimes militares. Por outro lado, o futebol também virou símbolo de resistência ao
nazismo como no caso da trágica e ao mesmo tempo admirável história do
Dínamo de Kiev, o célebre clube ucraniano.
Fascismo e bicampeonato
O ditador italiano Benito Mussolini, que se aliou a Hitler durante a
Segunda Guerra Mundial (1939-1945), explorou politicamente o fato de a seleção italiana de futebol ter conquistado duas Copas do Mundo consecutivas: a primeira, em 1934, com o time jogando em casa, a segunda, em 1938, na França.
A Copa de 1934, realizada na Itália fascista, tornou-se um evento esportivo tão politizado quanto viriam a ser os Jogos Olímpicos de 1936, realizados em Berlim, então capital da Alemanha nazista. A influência de Mussolini era tal que se afirma que ele teria interferido na escolha dos árbitros que apitariam as partidas nas quais a seleção italiana participaria.
Camisas negras
Segundo alguns, o árbitro sueco que apitou a semifinal e a final teria se encontrado com Mussolini antes das partidas e favorecido o time da casa nas duas partidas. A Itália venceu a Tchecoslováquia na final por 2 x 1. Detalhe: os jogadores italianos entraram em campo usando camisetas pretas, semelhantes ao uniforme usado pelas milícias de Mussolini (os fascistas italianos ficaram conhecidos como "camisas negras").
Não bastasse a exploração política da vitória da seleção italiana, o terceiro lugar foi disputado entre a seleção da Alemanha nazista e a da Áustria, terra natal de Hitler (apesar de ter se tornado chanceler da Alemanha, Hitler era austríaco, e não alemão). Resultado do jogo: vitória alemã (3x2). A participação brasileira na Copa de 1934 também não foi das melhores: uma única partida, que terminou com a derrota para a seleção espanhola (3x1).
Na Copa de 1938, a mesma Espanha que havia derrotado o Brasil entrou para história como o primeiro país a ficar fora da competição por causa de uma guerra, no caso, a
Guerra Civil Espanhola, que terminou com a vitória do ditador fascista
Francisco Franco. Diferente da Copa anterior, a seleção brasileira fez uma ótima campanha, mas perdeu a semifinal para a Itália (2x1). Em compensação, venceu a seleção da Suécia na disputa pelo terceiro lugar, a melhor colocação até então alcançada pelo futebol brasileiro numa Copa do Mundo.
A sombra nazista no futebol
A Copa de 1938 também é marcada pela sombra do nazismo: a seleção da Áustria havia se classificado para participar da competição, mas ficou de fora, porque poucos meses antes a Áustria foi anexada à Alemanha nazista. Por isso, a seleção da Suécia que tinha uma partida marcada com a seleção da Áustria, classificou-se para a fase seguinte numa vitória por w/o, ou seja, numa partida em que o time adversário não compareceu.
Na mesma competição, a seleção alemã entrou em campo usando um uniforme que trazia uma águia com a suástica estampada no peito. Participou apenas de dois jogos contra a seleção da Suíça: o primeiro terminou empatado (1x1) e o segundo terminou com a vitória dos suíços (4x2). Outra consequência da anexação da Áustria pela Alemanha nazista foi o fato de que muitos jogadores austríacos vestiram a camisa da Alemanha nazista.
Vencer ou morrer
Um jogador austríaco se recusou a jogar pela seleção alemã: o atacante Matthias Sindelar, que no dia 23 de janeiro de 1939, foi encontrado morto num quarto de hotel, ao lado da namorada, que também estava morta. Segundo o laudo oficial, o casal foi envenenado por monóxido de carbono. Suspeita-se que Sindelar tenha sido morto pela Gestapo, a polícia secreta nazista.
Na final da Copa de 1938, a seleção da Itália fascista venceu a seleção da Hungria (4x2). Conta-se que a seleção italiana recebeu telegramas em que Mussolini fazia ameaças de morte em caso de derrota. A mensagem desses telegramas teria sido a seguinte:
Vincere o morire ("Vencer ou morrer")!
Por isso, o goleiro húngaro Antal Szabo dizia que levou quatro gols, mas que pelo menos havia salvo a vida dos jogadores italianos. Na verdade, "Vencer ou morrer!" era um slogan muito comum nas propagandas fascistas.
Túlio Vilela formado em história pela USP, é professor da rede pública do Estado de São Paulo e um dos autores de "Como Usar as Histórias em Quadrinhos na Sala de Aula" (Editora Contexto).